Conheça os principais desafios da abordagem cirúrgica para a recuperação dessa patologia
Gostaria de compartilhar este caso complexo e extremamente desafiador. O paciente vive em outro estado e leva uma vida tranquila, com trabalho intelectual, ou seja, sem muita necessidade de esforço físico. No entanto, sofria de uma compressão medular que evoluiu por cerca de 12 anos, com piora progressiva do quadro de dor cervical e cervicobraquialgia, que é quando irradia para os braços. Ele já tinha sido submetido a uma cirurgia de artrodese cervical, com outra equipe, nos segmentos C5/C6/C7, mas por razão que se desconhece não foi utilizada a colocação de CAGE (uma ferramenta utilizada para preencher espaço e colaborar com a manutenção da altura da vértebra), mas apenas enxerto do próprio paciente. O CAGE é muito importante na sustentação da coluna em procedimentos assim. O quadro neurológico foi solucionado, assim como a consolidação óssea destes níveis, mas uma discreta retificação da lordose cervical ocorreu na mesma região, ou seja, afetou a curvatura natural do pescoço, mantendo-a diminuída. Após 10 anos dessa cirurgia, uma dor aguda na coluna cervical passou a evoluir rapidamente no paciente, de modo que irradiou para o braço direito, provocou dormência persistente e alteração de sensibilidade nos dois braços, de modo mais severo no direito. Com isso, a força muscular nesse braço também foi reduzida e sintomas neurológicos se destacaram, como prejuízo à coordenação motora fina (movimentos mais delicados e precisos, como escrever), alterações gastrointestinais e alterações na forma de andar. Todo esse conjunto caracterizou quadro grave de mielopatia cervical.
Ação e resultado Após toda a análise do histórico e condição atual do paciente, optamos por uma ressecção total dos discos intervertebrais doentes em C3/C4, C4/C5 e substituição por artroplastia cervical móvel. O paciente veio a São Paulo para ser operado, uma cirurgia arriscada que aconteceu sob altíssima tensão. Pela complexidade e riscos, conduzimos tudo com monitorização eletroneuromiográfica, para avaliar em tempo real a medula e também os nervos.
Como resultado, promovemos a descompressão da medula e a recuperação dos movimentos do pescoço. Isso tudo foi possível graças ao avanço da tecnologia, com implantes de qualidade e artroplastia geração 03, que “imita” a anatomia natural do corpo. O paciente recebeu alta hospitalar em menos de 48 horas, usando apenas um colar cervical para reduzir a dor. Em sete dias, já estava sem qualquer limitação funcional, autorizado, inclusive, a retornar à sua cidade de origem e atividades cotidianas. Um excelente resultado, com recuperação precoce que deixou toda a minha equipe orgulhosa! Principais desafios Realizar uma cirurgia para corrigir o trabalho de outro time é, por si só, um grande desafio. Neste caso, para reparar um procedimento não convencional, pela falta do CAGE, com risco de, por ser uma segunda abordagem, lesionar o nervo laríngeo recorrente, importantíssimo para a atividade da fala, e provocar a perda completa da voz. Por esta razão, solicitamos monitorização eletroneuromiográfica para esse nervo.
Vale destacar que a tecnologia é de ponta e raríssima fora dos grandes centros urbanos, mas foi imprescindível para conduzirmos a abordagem sem maiores riscos. Outro desafio foi a descompressão medular de um paciente com mielopatia, onde a própria compressão pode acarretar lesão medular por reperfusão, ou seja, um dano que pode ser notado somente após as estruturas voltarem ao seu lugar de origem, com o fluxo sanguíneo restabelecido. Esta é uma complicação extremamente temida pelos cirurgiões, pois não pode ser evitada. Por fim, o risco de mexer em uma coluna cervical em estado tão grave, para estabilizar com artroplastia móvel, recuperar a anatomia e o movimento normal. Neste caso específico, a simples fusão óssea traria muito mais tranquilidade e facilidade, do ponto de vista técnico, mas deixaria o paciente com certo prejuízo à mobilidade. Considerações do caso Em uma fase tão delicada, por vivermos em tempos de pandemia, agradeço imensamente a confiança do paciente, da família e demais envolvidos em transportar um ente tão querido para a realização dessa cirurgia em outro estado. Imagino que a categoria profissional de toda a equipe, aliada à estrutura de um hospital como o Sírio-Libanês ajudou a tomar esse tipo de decisão. Agradeço a Deus por me capacitar e poder participar de intervenções como esta, que renova a esperança das pessoas. Abraço,
Dr. André Evaristo Marcondes
São Paulo, 31 de julho de 2020
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